Sangue de louco
Sexta passada, no meio da tarde, meu amigo Rangel me ligou:
- Ô, vamos doar sangue hoje?
- Hmm... vamos, por que não? Onde vamos?
- No Hospital das Clínicas!
- ...não tem lugar mais perto? Po, isso é na Zona Oeste, quase centro!
- Mas amanhã é "Dia de Corinthiano doar sangue"!
- ...e? Hoje é hoje, amanhã é amanhã.
- Mas hoje vai estar mais vazio e a campanha já está valendo! É lá que estão doando!
- Ah, cara, que besteira! Como vão saber se somos corinthianos? Como vamos saber que nosso sangue será realmente doado a corinthianos?
- Mas o sangue vai pra qualquer um!
- Até para palmeirense? Mas que porra então é essa de "dia de corinthiano doar sangue"?
- Você ganha um suco e um lanchinho depois!
Já doei sangue um par de vezes. Na primeira, foi para um amigo que estava precisando, em função de uma leucemia - que o vitimou, por sinal. Na segunda fui de livre e espontânea vontade (leia aqui - faltar no trabalho justificadamente com um atestado válido). Nas duas vezes, tive de passar pela entrevista onde fazem trapos da sua vida parecerem bandeirões de estádio.
- Você usa ou já usou drogas?
- Ahm, já sim.
- O quê (moleque maldito, corinthiano maloqueiro, marginal!)?
- Maconha...
- Só isso?
- Só!...
- E parou quando?
- Foi em 2006.
- Era viciado, então?
- Não! Po, foi uma vez, em 2006! Eu acho que era 2006, digo...
- Maconha faz isso, mesmo.
- Err...
- E sexo? Está namorando, ficando, saindo? É casado? Tem filhos?
- Oi? Ah, sim... e não... não...
- Com quantas pessoas você se relacionou nos últimos 12 meses?
- [pausa dramática de 8 segundos]... 3.
- Alguma delas era promíscua ou tinha alguma doença sexualmente transmissível?
- Tomara que não!
Enfim, você vê quem é macho de verdade em uma sala de doação de sangue. Eu mesmo vi uns marmanjos de dois metros de altura suando frio, quase desmaiando na maca e pedindo suco de manga - que por sinal era bem gostoso.
Careca fila-da-puta:
- Estende o braço e fecha a mão.
- Ok...
- Você é corinthiano, não? Veio pela campanha?
- Ah, sim, isso mesmo!
- Que bom que amanhã eu não vou vir trabalhar...
- Putz, imagino... vai estar cheio demais, aquele bando de gente junta e...
- ...não dá pra vir de relógio, carteira, tênis.
- Ha-ha-ha... é, verdade.
- Esse tênis é seu, né?
Só fiquei com pena do corpo de bombeiros que foi trabalhar no Estádio do Pacaembu no dia seguinte. Dizem que você não pode ingerir bebidas alcoolicas até 12 horas depois da doação, e a torcida ia ao hospital 2 horas antes do jogo do Corinthians. Eu assisti o jogo pela TV e não vi nenhum corpo rolando pelas escadarias do estádio, portanto, creio que a campanha tenha sido um fracasso, ou que os torcedores tenham sido sinceros demais na entrevista e sumariamente limados da doação.
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