quarta-feira, setembro 30, 2009

Majestoso

Posso dizer, com certa tranquilidade, que minha experiência dominical ficou bem próximo de um estudo antropológico. Me senti como uma lebre, isolado entre uma matilha de lobos, mas aqueles caninos não comem ninguém. Na verdade, me senti mais um agente duplo, infiltrado no QG dos opositores. Como minha namorada faz promessas e não cumpre, tomei a iniciativa que deveria ter vindo dela e a convidei para seu debut em um estádio de futebol. Não que ela nunca tivesse ido, mas shows do Aerosmith não contam como atividade tão lúdica quanto o esporte das massas.

Entrei no site da VISA, voltado para o futebol, e comprei dois ingressos: arquibancada amarela, atrás do gol. Além de serem os mais baratos, são os que ficavam mais afastados das temidas torcidas organizadas (sic). Graças a falta de tempo para me locomover até algum ponto de venda durante o expediente de trabalho, acabei tendo de comprar no setor tricolor, ou seja, eu seria a lebre, anteriormente citada.

O “Majestoso”, nome dado ao clássico São Paulo X Corinthians, sempre foi uma constante em minha vida. No começo da minha adolescência, quando o time do Morumbi era uma máquina de ganhar títulos e ainda tinha alguma conotação masculina, me lembro de ter a paciência testada por centenas de vezes pelos recém formados são paulinos, que começavam a entender que é legal tirar sarro de corinthiano porque, no fundo, todo mundo é meio maloqueiro e sofredor. Anos depois, quando tinha meus 15 anos, comecei a frequentar estádios de forma contínua, chegando ao ponto de assistir a quatro jogos em apenas um mês – e não, eu nunca fiz parte de torcida alguma, senão a do Corinthians, mesmo. Hoje em dia, assumo: eu não vejo mais 10% da graça que via antes.

Marcia, desde que a conheci, pouco mais de 18 meses atrás, sempre foi uma daquelas torcedoras que mal conhece o hino do clube, mas faz questão de provocar qualquer alma alvinegra que encontrar. Torcedora do São Paulo como a grande maioria das garotas entre 20-30 anos, ela sempre fez questão de falar em tom de superioridade quando o assunto era o seu tricolor fajuto – sim, porque Tricolor só existe um, o Fluminense. Mal sabia ela que as pessoas que mais a ajudariam na vida seriam, justamento, os arquirrivais. Fato é que seu irmão mais velho, fanático torcedor da equipe mosqueteira, passa longe de ser “favelado” ou “ladrão”, carinhoso apelido dada por ela à fiel torcida. Ajudou a garota em sua viagem ao exterior, na compra do primeiro automóvel e em outras cositas más. Já eu, ora bolas, ajudei Marcia a ser feliz e encontrar um macho de verdade (cof, cof).

Chegamos ao estádio por volta das 15h, uma hora antes do início da partida. A polícia deu boas-vindas à minha amada realizando um bloqueio na principal avenida que dá acesso ao Morumbi e, por isso, ela teve de fazer um desvio e parar o carro longe de onde planejávamos. Assim que ela desceu de seu Celta vermelho, trajando a camisa do São Paulo, o flanelinha avisou: “Olha, toma cuidado... tá cheio de corinhianos aí pelas ruas de baixo!”. Vendo o suor gelado escorrer de sua testa, me senti um beneficiado pela justiça divina.

À paisana, de camisa azul da Inglaterra, eu passaria traquilamente entre meus irmãos alvinegros, sem lavantar suspeitas que estava indo sentar em território inimigo. Já Marcia, sob um calor de fazer camelo usar sombrero, estava linda e bela, de moletom branco, calça jeans e tênis. “Ai, meu Deus, não quero apanhar!”. Até pensei em sentir pena da coitada, mas qual seria a graça? Começamos a jornada, atravessando a Estopim e Gaviões da Fiel, Pavilhão 9, Coringão Chopp. Ficamos procurando a entrada de nosso setor, e confesso que eu mesmo senti medo: o moletom dela, branco como a camisa escondida por baixo, deixava transparecer o símbolo da LG e o número 10. De certo, se percebessem, iam nos encurralar e, se tivéssemos sorte, apenas nos xingar. Passamos reto, distribuí alguns sorrisos frente aos cantos da torcida e desaparecemos.

Após pedir informações, encontramos a entrada. O sol estava insuportável, e a Marcia já parecia uma pimenta, de tão vermelha. Enfim, demos a volta pela torcida do Timão, e entramos pela rampa de acesso do portão 15, junto da manada de Bambis. O jogo em si, como se sabe, foi morno. Triste foi ver o gol de Ronaldo e permanecer calado, vendo todos aqueles rostinhos meigos tão tristes ao meu lado. Apenas coloquei a mão na boca, tentando fazer o mínimo ruído no ensurdecedor silêncio da torcida são paulina, e gritei: "Fiiiilho da puuuuutaaaaa!". A Marcia até se surpreendeu. "Você está se controlando bem, fique assim!". Salvo alguns escorregões como "Seu time joga todo errado" e "o Rogério Ceni não quis jogar por medo", o que fez alguns torcedores me olharem com reprovação, mas, me dei bem.

Patético foi constatar que algumas torcidas – não vou citar nomes -, preferem ficar a xingar uns aos outros, os jogadores e os torcedores adversários, do que apoiar o próprio time. Ver um garoto menor de idade fumando maconha e cantando feliz na arquibancada, longe da repressão policial que sentiria lá fora, me deu uma certa sensação de asco, mas se o D2 pode e ainda toca no Criança Esperança, por que ele não? No final do jogo, fomos embora quietos, suados, cansados e com uma certeza... no próximo jogo, minha namorada vai ser a presa. E ela paga, claro, porque em território burguês, o pobre já cansou de se ferrar.

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3 Comentários:

Às 30 de setembro de 2009 às 10:56 , Blogger Unknown disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
Às 30 de setembro de 2009 às 10:58 , Blogger Unknown disse...

Dei boas risadas e respeitei...
Não conseguiria ver um Atletiba na torcido do Coxa. Por sorte minha esposa é atleticana!
E dá-lhe Furacão no domingo!!!

 
Às 30 de setembro de 2009 às 11:17 , Blogger Artur Palma disse...

Eu tive a infelicidade de nascer em uma familia cheia de corinthianos, não tem um caboclo que não é. Por isso, toda piada feita em reuniões coloca a minha vida em risco.

 

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